Mês dos Contos: Um grito na Escuridão - Robson Gundim



Olá galera, lembra que a Carol teve essa ideia do Mês dos Contos? "Um conto por semana, Durante um mês"

Hoje é o segundo conto do mês, atrasei um pouquinho para postar, mas tá aí!
O conto de hoje é "Um grito na Escuridão" do autor "Robson Gundim", o conto é um pouquinho grande, mas com certeza vocês irão amar como eu amei!

Leiam, leiam leiam!!!! 
O autor me disse que o conto é uma homenagem ao Stephen King, e ao filme "Olhos Famintos", ele se inspirou totalmente no filme para escrever este conto incrível

O desenho abaixo foi também inspirado na capa do filme, desenho feito pelo próprio autor!


É grande eu sei, mas só falo uma coisa à vocês, vale muito a pena ler!


"Um Grito na Escuridão - Robson Gundim"



Monstros são reais e fantasmas são reais também. Vivem dentro de nós e, às vezes, vencem. 

O casal parou o carro e saltou, observando sob um sol esplendoroso a altiva mansão.
Eram donos de uma aparência jovial, embora o homem fosse mais velho.
Ela, com um semblante análogo ao de uma boneca de porcelana e o corpo envolto num vestido de verão; beirava os vinte e sete anos, enquanto ele, tendo o rosto possuído pelas marcas da impaciência e a pele morena tostada pelo sol, estava acima dos trinta. Usava trajes convencionais, porém rústicos. Uma calça jeans repleta de remendos propositais e uma blusa de mangas cortadas, cujo emblema ressaltava a denominação da banda Skid Row.
Agnes continuou impressionada com a vista. Já Daniel demonstrou querer pular a parte do exame para descobrir quais segredos permeavam naquele solo místico e assustador, razão pela qual chegara ali.

Fretara um veículo de algum conhecido e apanhara a namorada não muito tempo depois, dizendo-a, num riso escancarado, que o seu “entediante” domingo finalmente seria melhor. É claro que a aventureira Agnes aceitou a proposta sem hesitar, consciente de que subiriam a colina mais afastada da cidade e com as veias pulsando de emoção desbravariam uma lenda que há mais de um século se arrastava por entre os povos de sua terra.
“Casas sempre são interessantes”, pensou a moça, encarando o frontão do prédio. “Há aquelas que abrigam as famílias; onde a harmonia parece ser eterna, e há também as casas deprimidas; geralmente adormecidas em virtude do abandono ou, no caso desta, especialmente tristes por causa dos fantasmas do passado”.

No geral, a mansão não deixava de ser um domicílio comum, à exceção de sua beleza, quase que atemporal. Tinha a roupagem das antigas casas georgianas, com ornatos espiralados que pareciam criar vida cirandando sobre as portas de carvalho e estátuas de querubins adormecidos — senão mortos — dependurados em nichos vazios. Foi erguida na ponta de um penhasco, sendo sustentada por rochas pontudas e grosseiras que suportavam os paredões e as medianas torres. Um dia foi banhada pela nobreza, habitada por presenças notáveis e utilizada como referência nos altos escalões da sociedade. Hoje, descansava no abismo do silêncio, tendo como principal habitante uma gigantesca hera que crescera e invadira através das janelas.

— Vamos logo — apressou Daniel, um pouco à frente.
— Espera...
Agnes continuou hipnotizada e deslocou a face de cima para baixo, na direção da mata que afundava ao redor da construção. Percebeu que a floresta descia no embalo do declive, cobrindo as rochas e cascatas que moravam lá embaixo, com rumo ao inacabável. O sentimento prazeroso e ao mesmo tempo macabro foi um fato veraz, mas a sensação causada pelo lugar, como supunha Agnes, fez-se presente em sua vida feito uma doença devoradora e incurável.

As árvores mais próximas, em galhos secos despontados, inclinavam-se em direção a casa. Daniel não soube explicar, mas ao encará-las sentiu um medo indescritível lamber-lhe o corpo e a alma.
— Se você quiser entrar comigo, é bom que venha logo, antes que eu me arrependa.
— Arrepender-se? — disse Agnes num risinho, com a testa franzida. — Acaso mudou de ideia? Ou será que está com medo da casa assombrada?
Visivelmente envergonhado, Daniel ignorou-a. Ela subiu os cinco degraus que davam para a porta da entrada e ficou ao lado dele, pensando de qual forma poderia entrar.
Primeiro ficaram em silêncio, tentando captar qualquer ruído que procedesse das entranhas da mansão. Não houve nenhuma resposta para a sua pergunta emudecida. A casa ainda dormia, estava entregue à quietude fantasmagórica que a ostentava.
— Como entraremos?
Respondendo à namorada, Daniel alçou os dois braços e empurrou a porta velha, que num rugido pedregoso e alongado escancarou-se.

O casal petrificou-se, deparado com a imagem resvalada em poeiras. Antes de darem o primeiro passo, entreolharam-se com seus glóbulos elevados e sorveram da atmosfera antiga, pensando se deveriam aceitar o chamado da casa, que acabara de despertar. Agnes conseguiu escutar o ronco animalesco e o rugido quase oculto do bocejo; possivelmente vindo do andar superior, arrastando-se pelos corredores e pousando no cômodo em que estavam.
— Que lugar sinistro — comentou Daniel, caminhando lentamente sobre o piso do salão principal. — Flagra só esses móveis, as paredes, e aquelas escadas!
A sala era de uma amplitude descomunal e potencialmente mobiliada — uma mobília que fazia jus à fortuna da família que vivera ali. Havia pisos assoalhados, paredes revestidas por carvalhos e tapeçarias que deslizavam sobre os degraus da escadaria. O teto era enriquecido por lustres de ouro e prata, tendo ao centro uma grande cúpula vitrificada que reluzia ao fulgor do sol.

A família a qual pertencera a poderosa propriedade —denominada Obed’s Manor — viera do estrangeiro. Alguns dos aldeões os conheciam muito bem, e por isso diziam que o velho Jeremy, o verdadeiro escultor de Obed’s Manor, fora um afortunado administrador em Boston. Engenheiro, com talento e sucesso ele fez muita fortuna a partir de seus projetos e conheceu, durante a sua mocidade, uma bela atriz de cinema da América do Sul. Os mais próximos alegaram que Jeremy não constituía apreço pelo sul, sendo a atriz a principal responsável por fazê-lo mudar-se para lá —o solo onde Agnes e Daniel demonstraram interesse e curiosidade. O que não esperavam, todavia, era senti-lo profundamente na própria alma, que lhes implorava num estertor absoluto para imediatamente saírem dali.
Na medida em que a namorada observava os contrastes nobres da mansão, Daniel sentia-se incomodado por uma força que lhe arrancava a paz. A ideia inusitada de invadir Obed’s Manor fora dele, mas uma terrível agonia o assaltava agora, gritando para reverter os passos e se ver livre das garras daquela diabólica morada. Uma de suas maiores teimosias, contudo, era não escutar o próprio instinto. Por essa razão, decidiu persistir no desvendamento de Obed’s Manor, o ambiente mais interessante que já conhecera.
—Já ouvi falar do antigo dono da mansão —disse Agnes, deslizando a palma da mão no consolo poeirento da lareira. — Casou-se com Nora Fontine, a desejável atriz brasileira que virou notícia.
— Poupe-me! — Daniel parou de brincar com uma estátua e deu atenção a outra. — Essa atriz morreu há mais de trinta anos...
— Dizem que foi assassinada.
— Assassinada?
— Ele a matou.
— Ele quem?
— Jeremy — respondeu a moça. — Foi o engenheiro de Obed’s Manor, matou a esposa após descobrir que ela o traía com o mordomo.

Daniel refletiu e soltou um riso.
— Isso é sinistro!
— Falavam na aldeia que Jeremy comandava tudo. Além de engenheiro, tornou-se dono da refinaria que faliu dez anos atrás... Qual era o nome mesmo? Bem, eu me esqueci, só sei que a firma alcançou o auge por causa das riquezas que Jeremy tinha encontrado num país do oriente médio.
— Morton Oil Company— disse Daniel.
—Isso! —aprovou Agnes. —A refinaria lhe garantiu mais dinheiro e monopólio, por isso o jovem Obed Morton, seu filho, ganhou uma vida tranquila e milionária.
— Jeremy não tinha pais ou irmãos?
— A família de Jeremy viveu e morreu numa ilha próxima à costa de Massachusetts. Depois da epidemia, ele foi o único que sobreviveu.
Daniel ainda perscrutava a sala quando indagou:
—De qual epidemia está falando?
— Da tuberculose. Toda a ilha foi evacuada — falou Agnes, convicta. — Houve rumores de um irmão ou primo de Jeremy, que viveu sob seus cuidados por um tempo. Era um inválido e não demorou a falecer, restando somente Obed Morton como herdeiro da família.
— Sei... E ele teve uma vida afortunada e tranquila.
— É — acedeu a moça. — Mas a tranquilidade não foi tão duradoura quanto a fortuna. Obed testemunhou a morte da mãe, numa noite em 1952. Dizem que esse foi o motivo cabal dele ter se tornado quem se tornou...
Agnes promoveu uma rápida pausa, conduzindo Daniel degraus acima até alcançarem o extenso corredor. Percebia o quão assustado Daniel estava, e que a inutilidade estampava-lhe a cara quando ele tentava safar-se do que sentia. A essa altura, a grande porta do salão se fechara. Correntes ventosas acariciavam os seus rostos, e se dividiam por entre os cômodos traiçoeiros da vivenda. 
Daniel via o rosto sereno da namorada e tomava como receio o seu inédito comportamento. Desde o início, era ela quem deveria vibrar de medo e tensão, não o inverso.

O corredor estendia-se até uma janela de vidro estilhaçada, por onde se infiltrava uma corrente de luz. Fotografias e quadros antigos espalhavam-se ao longo das paredes fustigadas. O papel de parede encontrava-se rasgado. As lâmpadas quebradas sob os lustres.

Céus. Uma casa cujo abrigo aplicava-se aos mortos.
Daniel espantou-se com as imagens. Crianças e idosos sorriam e seriavam num esgar perverso e medonho. Só não saltavam dos quadros porque a pintura se mostrava por vezes arruinada, e a moldura parecia lhes impedir de cometer tal aberração. Mas os olhos... Bem, 

Daniel preferiu esconder de si o significado daquela satânica conjuração.
—A vida de Obed Morton foi no mínimo atribulada —prosseguiu Agnes, freando diante de uma porta. —Ele possuía um diário, no qual confessou ter matado o pai e usado o seu corpo como cobaia em suas experiências bizarras—ela olhou nos olhos assustados de Daniel, assentindo: — Obed tornou-se cientista, e foi responsável pela criação de inimagináveis anomalias. É por isso que todos temem esta mansão, principalmente à noite. Segundo a lenda, é na escuridão que as criaturas moram — numa serenidade incompreensível, ela levou a mão à maçaneta, girando-a com cuidado, como se evitasse
alguma coisa que repousava no outro lado. —As criaturas alimentam-se da sua presença e do seu cheiro. Mas, principalmente, do seu medo.

Daniel sentiu um frio espasmódico e olhou rapidamente para trás, escutando o rugido da porta. Ao voltar-se para frente, contudo, enxergou uma visão quase embaciada, indigna de sua credulidade. O que ele viu foi difícil de descrever, tanto que piscou duas ou três vezes antes de ocorrer o fato que desfechou a sua história: um homem esguio, resvalado por uma veste branca, apareceu ao meio da passagem. No tecido avelhantado, achavam-se marcas vermelhas; era sangue. Um rosto indefinível, coberto por fios desgrenhados; tão hediondo quanto à própria face do diabo. Um braço inumano e disforme, seguro a um objeto afiado, que na mira de Daniel ameaçou atacar... E atacou.

Depois do golpe, a cena se desvaneceu dos olhos do jovem.
Agnes, ainda tranquila, rodeou-lhe o corpo entorpecido e aproximou os lábios de seus ouvidos:
— Existem lugares obscuros, e a curiosidade em desvendá-los tende a conspirar contra nós mesmos, levando-nos direto para o fogo do abismo.

Fim

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Eai, gostaram? Espero que tenham tirado um tempinho para ler realmente! Vale muito ler este conto, é incrível, Robson Gundim escreve muito bem!


Jajá venho com a resenha do livro dele " Entre o céu e o mar" que li recentemente! E só tenho uma coisa à dizer, eu amei!

Próximo conto será postado pelo Iago, ok? Esperem, em breve tá aí :)

Espero que tenham gostado, como eu gostei!
Bjss até o próximo post!



5 comentários:

  1. Paulo, que conto top *-*
    Adorei este projeto de vocês, sucesso com ele *-*
    Beijos,
    Marcela.
    ocantinholiterario.blogspot.com

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  2. Obrigado Paulo pelo prestígio! Me sinto engrandecido por ter neste belo site um conto de minha autoria. Aproveito o ensejo e ressalto que o conto me inspirou a escrever um livro, explorando a casa do penhasco e a história da família Morton. Em breve, notícias! Abraços!

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  3. UAU! Agora é só esperar a noticia do livro do Robson! *-*
    Bjs, http://resenhasteen.blogspot.com.br/2014/02/a-culpa-e-das-estrelas-trailer.html

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  4. Muito bom! Conto super bem escrito, envolvente, cheio de detalhes.
    Parabéns ao escritor! E parabéns ao blog. Adorei esse post !

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  5. Que legal a ideia Paulo, contos são coisas bem interessantes, sempre deixam aquele gostinho de "Quero mais". Adorei o conto, bem misterioso! HAHAHA

    Italo - http://leitorespossessivos.blogspot.com.br/

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